OPINIÃO: Apontamentos acerca do licenciamento ambiental

Por Carlos Eduardo Ferreira Pinto – Promotor de justiça de defesa do Meio Ambiente, coordenador regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba
A questão ambiental se tornou o núcleo das discussões sobre a perpetuação da vida sobre a Terra, não por acaso, já que os caminhos a serem percorridos para a inversão do ritmo atual de devastação dos valores ambientais não se mostram fáceis. Todavia, cresce a cada dia o sentimento de repulsa aos atos de desrespeito ao meio ambiente, como decorrência de uma consciência mundial que se formou acerca da absoluta necessidade de preservação do meio ambiente para as gerações futuras.
Nesse sentido, são indispensáveis instrumentos efetivos de controle sobre a exploração dos recursos naturais, sendo que as questões que interessam ao meio ambiente não podem ser vistas isoladamente, mas a partir de uma visão holística, segundo a qual cada problema ambiental, mesmo que circunscrito a uma região determinada, produz reflexos que, de alguma forma, atingem o todo.
O licenciamento ambiental representa bem esse pensamento. Na medida em que são estabelecidos mecanismos de controle sobre os mais diversos tipos de intervenção no ambiente, tendo por referência normas e padrões ambientais mínimos, o que se está buscando é garantir a sustentabilidade do processo de desenvolvimento.
No entanto, é preciso afastar o mito de que o licenciamento constitui entrave ao desenvolvimento. É instrumento não só legítimo, mas indissociável da própria idéia de desenvolvimento sustentável.
Recentemente o próprio Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, colocou questões ambientais como verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento do país. E listou, entre os entraves, ambientalistas, licenças ambientais, índios, quilombolas e o Ministério Público.
O processo de licenciamento ambiental deve ser aprimorado, buscando conciliar a agilidade necessária ao desenvolvimento do país e a aplicação correta da legislação, de modo a resguarda a todos os atores envolvidos na segurança jurídica.
Por outro lado, na medida em os órgãos ambientais se aprimoram na interpretação e aplicação das leis na concessão das licenças ambientais, fica assegurada a legalidade do processo, evitando-se a excessiva judicialização. Desenvolvimento sustentável, para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ou Comissão Brundtland), é aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas necessidades”. Este princípio revela, portanto, uma enorme preocupação com os que estão por vir; combate o egoísmo dos que aqui já estão, e que, para atender suas necessidades presentes e urgentes, ignoram que outros lhes sucederão, bem como o direito à vida em todas as suas formas.
Fato que me parece evoluir na sociedade brasileira é a consciência de que quanto maior a qualidade do meio ambiente, maior a qualidade de vida. E o inverso é igualmente verdadeiro: quanto pior a qualidade ambiental, pior a qualidade de vida dos seres humanos, que passam a sofrer com a escassez de recursos ambientais, com doenças de veiculação hídrica, doenças respiratórias em função da má qualidade do ar, deficiências auditivas em função da poluição sonora, stress, ansiedade e depressão em conseqüência da poluição visual, da poluição eletromagnética, da poluição por agrotóxicos, dentre outros males físicos e psíquicos.
Outro ponto importante é a necessidade da administração pública rever e aplicar novos padrões de qualidade ambiental, limitando a emissão de poluentes e considerando a capacidade de suporte do meio. Assim, as atividades potencialmente degradadoras podem ir até um dado limite; passado este, a atividade se torna, presumidamente, poluidora e inviável.
Além disso, de forma urgente é preciso aperfeiçoar o sistema de fiscalização ambiental na fase pós-licença, de modo que se garanta a efetividade do cumprimento de todas as condicionantes impostas na fase do licenciamento, bem como se acompanhe com rigidez o exato cumprimento do plano de controle ambiental aprovado.
Muito embora saibamos que o ordenamento jurídico pátrio encontra-se precipuamente focado no ser humano, motivo pelo qual as necessidades humanas ainda justificam a utilização do meio ambiente em seu benefício, a preocupação da política ambiental mundial – e de nossas normas internas – é com a sobrevivência do planeta, incluindo perpetuação de todas as formas de vida, fatores abióticos e interações ecológicas, e não apenas com a sobrevivência dos seres humanos.
De outro modo, faz-se necessário esclarecer que o ordenamento jurídico, por mais que autorize a atividade e por mais que saiba que essa atividade provocará uma lesão ambiental, não aceita que a vítima-coletividade “fique” com todo ônus do prejuízo. Por isso, impõe ao responsável pela lesão o dever de arcar com a reparação.
Não nos deixemos enganar, portanto: o fato de o órgão licenciador antever ou conhecer a lesão ambiental não significa que a deseje ou que a permita. Pode-se ter a errônea impressão de que, se o órgão liberar uma atividade conhecendo os danos que ela causará, é porque concorda com tais danos. Mas não. Ele concorda, isso sim, É COM A ATIVIDADE, mas continua repudiando os danos dela decorrentes. Tanto é que, mesmo autorizando o empreendimento, exige, desde logo, que os danos sejam reparados, bem como impõe a incidência da compensação ambiental prevista na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).
É o que se verifica quando empreendimentos, a despeito de seus impactos negativos, mostram-se absolutamente necessários à satisfação de importantes direitos da coletividade, e que, direta ou indiretamente, lhe propiciam melhorias em sua qualidade de vida. Visando contrabalançar tais perdas ambientais, a Lei n. 9.985/00 (Lei do Snuc) condiciona o licenciamento ambiental de empreendimentos causadores de significativos impactos ambientais ao pagamento de uma compensação ambiental antecipada.
Por opção da lei, a compensação se dará, sempre, na forma de destinação de recursos às unidades de conservação, via de regra, de proteção integral. Apesar de estar sendo exigida há anos, no licenciamento ambiental de empreendimentos com alto potencial degradador, a compensação ambiental ainda enfrenta inúmeros questionamentos no cenário jurídico-ambiental. Em razão de tais controvérsias, inúmeros empreendimento causadores de significativos impactos ambientais foram e continuam sendo dispensados de qualquer modalidade de compensação ambiental no licenciamento, o que representa a já mencionada socialização dos prejuízos ambientais.
Assim, me parece que a compensação se tornou um grande instrumento de concretização do conceito de desenvolvimento sustentável, na medida em que garante a criação e implantação de unidades de conservação.
Sem prejuízo do exposto, é importante frisar que o licenciamento ambiental, para cumprir seu efetivo papel como instrumento de política ambiental, não deve ser encarado ou desenvolvido como ato meramente burocrático que, na prática, pouco ou nenhum benefício poderia trazer ao meio ambiente.
Fonte: Artigo publicado no jornal impresso Ambiente Hoje, periódico mensal da Amda, na edição de outubro/novembro de 2010.

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